“Frequentemente o artista percebe os ventos que sopram, vale
dizer, as causas, as responsabilidades, os motivos, muito antes que qualquer
outro cidadão” (Thomas Paine, “La Nuit de Varennes”, Ettore Scola)
Continuamos a falar sobre teorias que explicam a origem da
Moda. Em artigo anterior,
discorremos sobre as teorias do status. Falamos agora sobre outra: a teoria do “Zeitgeist”.
A expressão alemã “Zeitgeist” pode ser traduzida como
espírito do tempo ou espírito da época. Embora usada anteriormente, é atribuída
ao filósofo alemão Hegel (1770-1831), que fala em “Geist der Zeit”, como
espírito do tempo e “Weltgeist”, como espírito do mundo. Para ele, seria uma
espécie de forma cósmica que se materializaria historicamente, permitindo a
formação da arte, da religião e da filosofia. Assim, a mentalidade, a vida
social e os produtos culturais compartilhariam desse espírito comum e, a partir
dele, se efetivariam em modos e obras.
Nosso objetivo não permite digressão mais aprofundada sobre
a complexidade do termo num filósofo tão profundo quanto Hegel. Diz-se, em
síntese, que paira no ar um conjunto abstrato de ideias que são captadas pelos
indivíduos, fazendo-os pensar e agir de forma assemelhada num determinado
período do tempo.
Com base em tal noção, o sociólogo americano Herbert Blumer
(1900-1987), em seu artigo “Fashion: from class differentiation to collective
selection” (publicado na revista Sociological
Quarterly, v. 10, p. 275-291, 1969), apresenta a tese de que a Moda não
advém de diferenciação de classes, mas de uma seleção coletiva. Diz ele, em
tradução livre:
“Os esforços de uma classe de
elite para colocar-se em apartado quanto à aparência tem lugar dentro do
movimento da moda ao invés de configurar sua causa. (...) As pessoas de outra
classe que conscientemente seguem a moda o fazem porque ela é a moda e não por
conta do prestígio distinto de um grupo de elite. (...) O mecanismo da moda
aparece não em resposta a uma necessidade de diferenciação ou emulação de
classe, mas em resposta a um anseio de estar na moda, de estar a par do que
parece ser bom, de expressar novos gostos, os quais emergem num mundo
constantemente dinâmico”. (p.281/282)
Para Blumer, a origem da moda não estaria na diferenciação
de classes ou na dialética entre universal e particular, mas em uma espécie de
gosto coletivo, proveniente da dinâmica do mundo, que se materializaria nos
modos de vestir-se e apresentar-se. A moda seria a apreensão material e,
portanto, histórica, do espírito de uma época, quanto à sua produção cultural
relacionada ao vestuário e objetos e modos ligados a este.
A diferença central para a teoria do status é que, nesta, a
diferenciação de classes é colocada como causa anterior ao processo de formação
da moda. Para a teoria do Zeitgeist, a moda é um processo no qual a elite
também está envolvida, porém, teria condições de apropriar-se desse anseio
abstrato comum mais rapidamente que as demais classes, mantendo-se em sintonia
com seu tempo.
Enquanto teoria, ela se sustenta melhor, pois explica de
forma mais adequada o problema da difusão da moda. Por outro lado, sua deficiência
é apresentar um conceito, o de espírito do tempo, que não possui conteúdo
semântico definido, compondo o que os linguistas chamam de lugar retórico
comum. O que é o espírito do tempo? Seria o imaginário, o inconsciente
coletivo, o espaço da cultura? A explicação disso é hoje um dos grandes
problemas da psicologia social.
Soma-se que, em nossos “tempos hipermodernos”, como diz
Lipovetsky, nos quais o consumo se insufla e se dispersa em todas as parcelas
da vida social, baseado numa lógica hedonista, de busca desenfreada pelo
prazer, como seria possível recolher o espírito do tempo? Se tudo o que era
sólido se desmanchava no ar, hoje esse ar tornou-se rarefeito em demasia e é
difícil respirá-lo.
Compreender as origens da Moda e alcançar seu conceito talvez
seja investigar a própria noção de mundo atual e, para o Direito, enquanto
relacionado à indústria da Moda, colocar em jogo toda sua estrutura de
entendimento até o presente. Eis o grande desafio para o futuro fashion lawyer.
Por João Ibaixe Jr e Valquíria Sabóia
Publicado originalmente em Migalhas
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